Certo dia, talvez uns 11 anos atrás, meu celular tocou.
A única coisa que lembro claramente deste momento, foi a voz de
minha mãe dizendo que a encontrasse na esquina da João Pessoa com
Venâncio Aires.
Fiquei apreensiva e fui rapidamente vê-la.
Quando cheguei, ela estava séria, mas chorosa.
Disse que tinha acabado de vir do cardiologista.
Até aí, não me assustei.
Você está pensando que sou fria meu caro leitor? Não.
É fato. Minha mãe sempre disse, desde minha infância: Filha, a mãe
não vai viver muito por causa do coração. O dia que a mãe morrer,
tu deves pegar a maleta azul e levar ao Tadeu (advogado dela há
muitos anos).
Só uma explicaçãozinha rápida. Quero contar a você que a maleta
azul ainda existe, assim como minha mãe. Não sei hoje se devo levar
ao Tadeu a tal maleta, nem o que ela contém. Se é que contém algo.
Bom, minha mãe ali, na minha frente, pronta a fazer uma “revelação
bombástica”. E lá foi ela falando. O tal cardio a informou, após
vários exames, que ela morreria em menos de um ano.
Acho que disse a ela qualquer coisa do tipo, fica tranqüila que vou
cuidar de tudo.
Sempre fingi para família que era a PODEROSA ÍSIS, uma super
heroína capaz de segurar o mundo que me cerca com o dedo mínimo.
Então voltei só pra minha casa.
Quando cheguei em casa, a ficha, os butiás e tudo mais caíram por
terra. Minha mente repetia sem trégua: Nossa, terei que dar um jeito
de mudar minha vida, ganhando dinheiro em pouco tempo pra aguentar o
tranco, aliviando pelo menos o lado financeiro. Já que o emocional
foi “prô saco”, ou seja, tudo perdido.
Dá pra se ter uma ideia da bomba que caiu na minha cabeça?
Eu, trabalhando mais de 12 horas, de segunda a segunda, em duas
empresas ao mesmo tempo, com escalas de horários malucos, com a
perspectiva de a qualquer momento ter que sustentar minha filha com
oito anos e minha irmã grávida. Tudo isso com um salário que não
chega a dois salários. Socorro!
Meu chão se abriu.
E acima de tudo, ainda irei perder a minha mãe. Brigando ou não, é
minha mãe.
Loucura tudo isso.
Quando chegou a noite, fui a um bar de amigos de infância. Não
lembro o nome do tal bar que ficava na Rua Lima e Silva, num balado
bairro da noite de Porto Alegre.
Ao chegar, meus amigos estavam jogando poker entre eles, as portas do
bar fechadas ao público. Acredito que era uma segunda-feira, porque
o bar nunca abria neste dia e estava fechado.
Entrei já chorando, e contei o que havia acontecido.
Eles estavam bebendo um uísque. Destilado companheiro meu naquela
noite.
Bebi muito enquanto repetia sem parar o que havia ouvido naquela
tarde.
Penso que minha necessidade de aceitar a situação estava sendo
apresentada na repetição que fazia das palavras ouvidas. Tentava
assimilar e arrumar uma saída para esse horror prestes a
concretizar-se.
Foi assim meu porre de uísque com consequências trágicas ao meu
corpo.
Não julgo se atitude foi certa ou errada, apenas foi.
Bebi quase uma garrafa sozinha. Lembro de ter ido para o escritório
do bar, me deitar em um sofá.
Alguém, tempos depois foi até lá, me despiu, me deu um banho e
tudo mais.
Fui violentada? Não. De forma alguma.
Embora estivesse destilando o álcool pelos meus poros, me deixei
envolver. Chorar enquanto braços me envolviam.
Na verdade, o que eu queria e precisava naquele momento, era de
carinho apenas e não sexo.
Gostei ou foi bom? Também não. Devido meu estado de embriaguez, não
seria possível um ato agradável a ponto de me fazer mulher.
Totalmente distante do sexo-tesão.
Sei que eu queria uma única coisa, sentir-me protegida por um
instante no meio daquele vendaval. Por isso, me deixei permitir.
Você leitor, percebe que não nego minha atitude?
Nem tento iludi-lo que bêbado não se lembra do que faz? Por que
isso, não é verdade. Pelo menos não pra mim.
Bêbada ou não, lembro bem dos meus atos, por mais infames que
sejam.
Pela manhã acordei, ainda sobre o efeito da bebida e fui pra casa.
Não sei dizer o que fiz pra não trabalhar aquele dia, ou pra alguém
não ver o estado lastimável em que estava após esse meu declínio
na capacidade de enfrentar a dor sem subterfúgios.
Esse é um relato de um dia da vida de uma pessoa muito comum.
Antes que você tenha cólicas de curiosidade, minha mãe está muito
bem e eu continuo sem condições de manter uma casa com dignidade
financeira ainda. Mas nem por isso bebo. Talvez com a própria
maturidade, vejo essas situações de forma mais clara. Mesmo sem ser
a Mulher Maravilha ou a Poderosa Ísis, levanto a cabeça pra
enfrentar o que se apresenta.
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Beijo da Nana Pimentel