Miscelâneas do Eu

Expressar as ideais, registrar os pensamentos, sonhos, devaneios num pequeno e simplório blog desta escritora amadora que vos fala são as formas que encontrei para registrar a existência neste mundo.

Não cabe a mim julgar certo ou errado e sim, escrever o que sinto sobre o que me cerca.

A única coisa que não abro mão é do amor pelos seres humanos e incompreensão diante da capacidade de alguns serem cruéis com sua própria espécie.

Nana Pimentel

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sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A História do Tantra

O ar tece o Universo. Brihadáranyaka Upanishad, III: 7.2 / A respiração tece o homem. Atharva Veda, X:2.13




Tantra significa tecido, urdidura; pode ser traduzido como ‘espargir o conhecimento‘ ou ‘a maneira certa de se fazer qualquer coisa‘, tratado, autoridade, estender, multiplicar, continuar. Também designa o encordoamento do sitar ou outro instrumento musical. É o nome de um movimento filosófico, matriarcal e sensorial que empresta suas principais premissas do Yôga e do Sámkhya, herança e patrimônio da cultura dos rios Indus e Saraswatí.
O Tantra assimilou o culto da Grande Mãe, presente na Índia desde o neolítico (8000 a.C.). Entretanto, os mesmos símbolos de que o tantrismo serve-se hoje remontam ao paleolítico (20000 a.C.) e estiveram sempre presentes ao longo do continente eurasiático. O Tantra organizou os rituais da Magna Mater, transformando-os num método de emancipação que busca na psique humana a manifestação da própria força da Shaktí, a Energia Primordial que move o Cosmos. Este movimento teve uma forte influência sobre a religião, a ética, a arte e a literatura indianas, havendo ressurgido com inusitada força entre 400 e 600 d.C., quando chegou a transformar-se numa moda que acabou por influenciar os modos de pensar e agir da sociedade indiana medieval. Aqui ela se afirma, populariza e estende ainda mais, dando origem a um grande número de correntes e manifestações filosóficas, religiosas, mágicas e artísticas, algumas antagônicas. "Não se trata de uma religião nova, senão de uma nova caracterização de fatos que pertencem ao hinduísmo comum, mas que às vezes só se apresentam precisamente em suas formas tântricas. Encontra-se a marca do tantrismo na mitologia e na cosmogonia, mas, principalmente, no ritual. O gérmen remonta-se com freqüência ao Veda, especialmente ao Atharva Veda, que pode considerar-se um hinário pré-tântrico." Jean Renou, El Hinduismo, p. 89.
M. Éliade nega que a assimilação do Tantra pelo hinduísmo seja tão antiga, embora reconheça que suas raízes sejam difíceis de se determinar: "No Tantra, observam-se elementos muito antigos, alguns dos quais pertencem à proto-história religiosa da Índia, mas sua introdução no budismo e no hinduísmo começou muito tarde, em todo caso, não antes dos primeiros séculos da nossa era." El Yoga. Inmortalidad y Libertad, 289.
O Tantra não pertence à tradição ortodoxa hindu, no sentido de que não existe um dárshana com esse nome. Sua visão do mundo é herança e síntese da Índia aborígene e da Índia vêdica, muito mais antigas do que imaginaram os estudiosos ocidentais do século XIX. É uma forma de ver a vida e cada um de seus aspectos. Há diferentes linhas do tantrismo, algumas inclusive incompatíveis entre si.
O Dakshinachara, linha da ‘mão direita‘ ou do tantrismo branco, mais antiga, opõe-se ao Vámachara, corrente da ‘mão esquerda‘, do tantrismo negro, corrente na qual se destaca a escola Kaula, fundada por Matsyedranatha por volta de 900 d.C. O tantrismo negro caracteriza-se pelos rituais de transgressão, como o pañchamakára (os cinco m), no qual o praticante utiliza a ingestão de bebidas embriagantes, carnes e o coito ritual como meios de atingir a sacralidade.
Podemos identificar algumas dessas características no Rig Veda, nas libações ceremoniais do soma e nos rituais sexuais. "Um dos artigos de fé do povo vêdico era que a união sexual conduzia à bem-aventurança do além e devia cumprir-se com verdadeiro espírito religioso para assegurar o bem-estar espiritual, censurando-se severamente a lascívia. Idá (uma mulher) disse: ‘se fizeres uso de mim no sacrifício, então qualquer bênção que invocares através de mim ser-te-á concedida.‘ " S. B. Lal Mukherjí, ensaio em Shaktí y Shakta, J. Woodroffe, p. 83.
A visão cosmogônica do Tantra, com suas perguntas essenciais, evidencia uma atitude especulativa sobre a antropogênese que a vincula ao Sámkhya. A cosmogonia tântrica caracteriza-se pela união dos opostos: isto é, trata-se de uma coincidentia oppositorum, conjunção dos opostos que se complementam. Essa idéia não é original do Tantra: existiu em outras cosmovisões ao longo da história da Humanidade; mas o tantrismo recupera para si este princípio especulativo, muito mais antigo que ele próprio.
Esses dois princípios em coincidentia oppositorum são Shiva e Shaktí. Os rishis, sábios ascetas do alvorecer do pensamento hindu, chamaram Brahman ou Shiva o princípio primordial. Tudo existe em função dele, tudo é reflexo e evidência da sua realidade. Não há noção de criação do mundo nem há Deus: no plano macrocósmico Shiva é, parafraseando Aristóteles, o motor imóvel do mundo. É o princípio imutável e eterno, nem ativo nem criador. Ele não faz nada, apenas é. Sua manifestação é Shaktí, palavra que significa esposa e, por extensão, energia. Shaktí é a Prakriti, a Natureza do sistema Sámkhya, a energia criadora, que provoca a manifestação do Universo.
Shiva é inabalável: a ele pertencem o Ser e a Consciência; à Shaktí correspondem o movimento, a mutabilidade e a geração. Estes dois princípios representam-se na iconografia do tantrismo unidos no viparíta maithuna:
Shiva aparece deitado ou sentado, imóvel, enquanto Shaktí está sempre sobre ele, ativa no ato da manifestação. Este modo de pensar não é religioso, dogmático ou doutrinário, mas estritamente especulativo. Desta maneira o Tantra, assim como o Sámkhya, aparta-se de outras visões que incluem os conceitos de criação, divindade, origem do mundo, et coetera. Contudo, o Tantra possui uma certa semelhança com algumas formas de panteísmo: "o que está aqui, está em toda parte; o que não está aqui, não está em parte alguma." Daí provém o culto à Natureza e à feminilidade. À diferença do Vêdánta, que considera o mundo tangível uma mera ilusão, para o Tantra ele é bem real: ilusório é pensar que o Ser (Shiva-Purusha) intervenha ativamente no universo manifestado.
Cabe aqui dizer uma palavra sobre um filho do Tantra, sobre o qual voltaremos mais adiante: o Hatha Yôga. A partir da "descoberta" do corpo, elabora-se uma série de tecnologias que se apoiam nele para alcançar o estado de transcendência: "O corpo construído pouco a pouco pelos hathayôgis, os tântricos e os alquimistas correspondia, de certo modo, ao corpo de um "homem-deus" (...) A teandria tântrica não era mais que uma variante nova da macrantropia vêdica. O ponto de partida de todas estas fórmulas era naturalmente a transformação do corpo humano em um microcosmos, teoria e prática arcaicas, que se observam aqui e acolá no mundo e que na Índia ariana achavam-se estruturadas desde os tempos vêdicos." Mircéa Éliade, El Yoga. Inmortalidad y Libertad, p. 175.
"Aqui mesmo (neste corpo) estão o Ganges, Prayága e Varanasi, o sol e a lua (isto é, o masculino e o feminino) e os lugares sagrados... Não existe outro lugar de peregrinação nem morada de felicidade semelhante ao meu corpo. Em verdade, o yantra que é o próprio corpo é o melhor de todos os yantras." Gandharva Tantra.
O prestígio adquirido e mantido pelo Tantra constitui um "fóssil vivente" que remonta aos tempos vêdicos, em que não existia obsessão nem repressão sexual. A sua posição é renovadora frente ao brahmanismo ortodoxo medieval: aos rituais mecânicos, que haviam perdido significação, opõem-se o culto matriarcal da Shaktí e as técnicas de libertação através da união sexual ritual (maithuna).
A afirmação acima merece uma explicação: geralmente estamos habituados à idéia de que os homens vêdicos passariam o dia inteiro fazendo a guerra, criando gado, entoando mantras e fazendo oferendas para tentar convencer os deuses a satisfazer seus desejos. Numa palavra, que seriam repressores, sisudos e machistas. Não é isso o que surge de uma leitura atenta dos hinos do Rig Veda. O erotismo e a sensorialidade, que poderíamos considerar sem medo de exagerar, como sendo pré-tântricos, tem um papel importantíssimo na sociedade vêdica. Metáforas que fazem alusão à sexualidade são muito comuns e mostram que a sociedade vêdica considerava a sexualidade em sua medida certa: não tinha preconceitos em relação a ela nem teve aquela obsessão típica, entre outras, da cultura judaico-cristã. Vejamos alguns exemplos. No hino I:79.4-5, Lôpámudrá, esposa (os ascetas também casavam!) do rishi Agastya, pede-lhe que a satisfaça sexualmente: Lopámudrá faz fluir o Touro e, enlouquecida, esvazia o sábio que descansava. Agastya queria um filho e empuxou com seu instrumento, para ter descendência e vigorizar-se.
Os poetas vêdicos usaram com muita naturalidade o sexo para compor suas metáforas (IX:112.4; X:40.6): O cavalo busca uma carruagem leve, o sedutor um sorriso, o falo, fendas aveludadas e as rãs, água. A abelha, Ashwines, recolhe vosso mel em sua boca, tão disposta como vai a donzela ao seu encontro de amor. Maithuna significa cópula, matrimônio, e define a união sexual tântrica, o coito ritual em que os parceiros emulam a união cósmica entre Shiva e Shaktí. É a técnica de libertação através da união sexual ritual. A postura sexófoba característica da civilização judaico-cristã sempre viu nestas práticas a orgia e a depravação, ou seja, exatamente o oposto do que elas são. A incompreensão do Tantra e o simbolismo que o transmite colaborou para considerá-lo repulsivo, vergonhoso e digno de escárnio. A preocupação daquele que condena o Tantra é fruto da sua própria obsessão com a questão sexual, que o leva a querer coartar a liberdade dos demais. Nesse sentido, o tantrismo é totalmente natural; a sua abordagem do sexo não é patológica mas absolutamente sadia, de uma espontaneidade difícil de aceitar para os padrões da ‘decência‘ cristã. Maithuna não tem nada a ver com pornografia ou licenciosidade, muito pelo contrário, é um instrumento que, através do prazer, revela a dimensão divinal da natureza humana. "O maithuna é a técnica tântrica que mais fascina os ocidentais, que com demasiada freqüência confundem-na com uma indulgência para com os apetites sexuais, em vez de vê-la como meio para dominá-los." Daniel Goleman, A Mente Meditativa, p. 98.
Enquanto alguns buscam a elevação através da repressão ou da eliminação do desejo sexual e suas raízes (samskára), para o tantrismo a sua utilização é condição básica. O homem deve evoluir executando as mesmas ações que causam a sua perdição: "quando caímos no chão, é com o auxílio do chão que nos levantamos."
Através da sacralização da sexualidade podemos chegar ao samádhi (estado de ênstase). A prática, que deve concluir sem que os parceiros alcancem o orgasmo, nada tem de profano: emula-se a união hierogâmica dos princípios masculino e feminino, Shiva e Shaktí.
"Pelo próprio fato de já não se tratar de um ato profano, senão de um rito, de que os participantes não são mais seres humanos senão que estão ‘desprendidos‘, como deuses, a união sexual não participa mais do nível kârmico. Os textos tântricos repetem com freqüência o adágio: ‘pelos mesmos atos que fazem com que muitos homens se queimem no inferno durante milhões de anos, o yôgin obtém a salvação eterna.‘
"O jogo erótico se realiza num plano transfisiológico, porque nunca tem fim. Durante o maithuna o yôgin e sua náyiká incorporam uma ‘condição divina‘, no sentido de que não somente experimentam a beatitude, senão que podem contemplar diretamente a realidade última. " Mircéa Éliade, El Yoga. Inmortalidad y Libertad, pp. 194, 197.
A libido humana é essencialmente igual à energia que anima o mundo. Nesse sentido considera-se desperdício permitir que ela se disperse no orgasmo. Todos os esforços do par tântrico dirigem-se para esse objetivo. O sêmen, assim como o orgasmo, é precioso e deve entesourar-se: "o yogin conquista a morte preservando seu bindu. O bindu derramado traz a morte; o bindu retido traz a vida." O sêmen viril, é chamado amrita, ‘o que outorga a imortalidade‘. Manipula-se a energia sexual a fim de concentrá-la, estimula-se o prazer e mantém-se o nível de excitação da voragem pré-orgástica, assim como alguns pássaros tentam manter-se voando imóveis pelo máximo de tempo possível. No fim, faz-se uma meditação com o objetivo de dirigir o prána para o despertamento da kundaliní.
O ato sexual tântrico inclui mudrá, pújá e meditação, e em alguns casos mantra ou pránáyáma. Existem diversos gestos que objetivam aprofundar a comunicação entre os parceiros e deles com a essência do Tantra. Pújá, a oferenda mental de energia, é a saudação inicial através da qual o casal estabelece essa sintonia.
Extraído do livro "Historia do Yoga", por Pedro Kupfer


O SEXO E TANTRA




O sexo é a energia mais vital – a única energia que você tem. Não lute com ela;
será uma perda de vida e de tempo – ao invés disso, transforme-a.
O sexo desaparece quando você o aceita totalmente – não suprimindo, mas
transformando. Sentem-se silenciosamente e não movam o corpo;
permaneçam como estátuas.
Então quando vocês fizerem amor, o corpo irá se mover, então dêem a ele o
outro extremo de primeiro ficar imóvel, de forma que o corpo adquira o momentum para
se mover profundamente. Então a urgência se torna tão vibrante que todo o corpo,
cada fibra está pronta para o movimento. Somente então o orgasmo tântrico é possível.
Vocês podem colocar uma música...música clássica funcionará; alguma coisa que dê
um ritmo muito sutil ao corpo.
O homem se transforma em Shiva e a mulher é transformada em Shakti.
Agora a humanidade é irrelevante, a sua forma é irrelevante, o seu nome é irrelevante;
você é apenas pura energia. O venerar traz esta energia para o foco. E não finja.
O venerar tem de ser verdadeiro. Ele não pode ser apenas um ritual. Existe ritual
no tantra, mas o tantra não é ritual...
Quando você fizer amor, fique possuído. Movam-se vagarosamente, toque o corpo
um do outro, brinquem com o corpo um do outro. O corpo é como um instrumento
musical. Nãofique com pressa. Deixe as coisas crescerem. Se vocês se movem
vagarosamente, de repente ambas as suas energias irão subir juntas, como se alguma
coisa os tivesse possuído. Isto acontecerá instantâneamente e simultaneamente...
Somente então o tantra é possível. Agora mova-se no amor...
E quando deus faz amor, é quase selvagem. Não existem regras, regulamentos.
Move-se apenas no impulso do momento. Nada é tabu, nada é inibido. Seja lá o
que for que aconteça naquele momento é bonito e sagrado; seja lá o que for,
digo incondicionalmente...
Ninguém irá saber o que irá acontecer. Vocês simplesmente são jogados
no vórtex divino. Ele os levará, e os levará aonde ele quiser. Vocês simplesmente estão
disponíveis, protos para se moverem com ele. Vocês apenas se tornam veículos.
Deixem as energias se encontrarem nos seus próprios caminhos.
O homem deve ser deixado do lado de fora disso – apenas pura energia.
Vocês não estarão fazendo amor apenas através dos órgãos genitais; vocês
estarão fazendo amor através de todo o corpo...
Jogar a semente, cuidar da planta, regá-la e estar atento a ela, sendo cuidadoso,
protetor.
Então um dia, de repente – a flor do tantra. Irá acontecer.

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